quarta-feira, 18 de junho de 2008

Ainda não dá para comemorar

O indicador de qualidade na educação começa a melhorar no país. Mas a média ainda está longe do pior resultado entre as nações desenvolvidas

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Isabel Clemente
Revista Época n. 526 (junho/2008)
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Enfim, uma boa notícia nas escolas brasileiras. O índice de Desenvolvimento da Educação Básica - uma combinação da taxa de aprovação com provas de conhecimento sobre português e matemática - de 2007 mostra que a média brasileira avançou de 3,8 para 4,2 nas séries iniciais (até o 52 ano), e de 3,5 para 3,8 nas séries finais (até o 92 ano), numa escala de O a 10. O ensino médio, onde tradicionalmente está o pior desempenho, continua na lanterna. A nota subiu só de 3,4 para 3,5. A boa notícia é que, em todas as etapas do ensino, foram antecipadas as metas estabelecidas para 2009.
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A má notícia é que, com notas assim, não dá nem para celebrar. "Por trás desse índice tem uma quantidade enorme de criança analfabeta na 4a série e que não sabe as quatro operações", diz o sociólogo Carlos Henrique Araújo, ex-diretor de Avaliação do Ensino Básico do Inep, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, hoje consultor de projetos pedagógicos para governos e empresas. O objetivo do Ministério da Educação (MEC) é chegar a um Ideb 6 até 2021. Parece pouco, mas para o padrão atual brasileiro não é. Seria um resultado comparável ao de países desenvolvidos, que deram início à reforma educacional décadas antes do Brasil. "Vencemos um pequeno trecho do nosso longo percurso", diz o ministro da Educação, Fernando Haddad.
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Bons educadores trabalham com um princípio: o ideal de uma escola é conseguir que 70% de seus alunos tenham 70% de aproveitamento. "Estamos muito longe disso", diz Ilona Becskeházy, diretora-executiva da Fundação Lemann. Para ter uma idéia, em todas as etapas do ensino, entre todos os Estados, só aparecem duas notas 5, ambas para as séries iniciais (lã a 5ã), do Distrito Federal e do Paraná. A média de Portugal, um país da OCDE, o clube dos países ricos e industrializados, é 5,5. E esse é um dos piores resultados entre os melhores. "Nós avançamos em relação a nós mesmos, mas estamos num ritmo muito mais lento do que outros países", diz o senador Cristóvam Buarque (PDT-DF), ex-ministro da Educação do governo Lula. O MEC não pretende alterar as metas dos próximos anos porque, segundo o ministro da Educação, é preciso consolidar os resultados. Nada impede um retrocesso na próxima pesquisa, daqui a dois anos.
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A melhora é fruto de medidas básicas. Para começar, os professores e as escolas nem sequer sabiam o que seria cobrado nos exames nacionais que dão sustentação ao Ideb. "O que o governo fez foi muito simples: mostrar o que o professor precisa ensinar e o aluno aprender", diz a diretora-executiva do Instituto Ayrton Senna, Margareth Goldenberg. "Atuamos há 14 anos nessa área e ouvíamos reclamação sobre a falta de rumo." A ONG tem parcerias sobre políticas públicas educacionais com 1.350 municípios em sete Estados.
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O governo federal cita ainda a distribuição de livros didáticos para o ensino médio e o treinamento de professores dos primeiros anos do ensino, no programa pró-letramento, como explicações possíveis por trás do Ideb melhor. Daqui para a frente, a batalha exigirá estratégias mais sofisticadas. Quanto mais alto o índice de qualidade das escolas, mais difícil será melhorar. Estados onde a educação pública está à frente da média nacional, como Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais, já sentem isso. Lá, alguns indicadores praticamente estagnaram, destaca o MEC. O Nordeste, dono das piores médias, foi a região que mais avançou. O Ideb mostra que 26 das 27 unidades da Federação atingiram a meta de 2007 para a 5ã série; 25, a meta para a 9ã série; e 17, a média prevista para o ensino médio.
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Outra conquista proporcionada pelo Ideb é a "saudável competição" entre as prefeituras e os Estados, submetidos a uma exposição pública da qualidade de seu ensino como não havia antes. A Paraíba, Estado nordestino que atingiu ou superou todas as metas de 2009, é um exemplo. O secretário estadual de Educação, Neroaldo Pontes de Azevedo, doutor em Literatura Brasileira, diz que é cada vez maior o número de prefeituras à procura de apoio para projetos educacionais. "No ano passado, eram 20, agora são 120, e optamos por trabalhar com as de menor Ideb, qualquer que seja o partido político. Com o Ideb, ninguém quer ficar mal", afirma.
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Um fator que não pode ser ignorado é a necessidade de dar continuidade ao trabalho. No Tocantins, reconhecido nacionalmente por um inovador trabalho de gestão nas escolas, a secretária Maria Auxiliadora Seabra Rezende está há oito anos no cargo, em dois governos de partidos distintos. Presidente do Conselho Nacional dos Secretários de Educação, Dorinha, como é conhecida, diz que é preciso zelar para que as eleições municipais deste ano não mudem projetos que estão dando certo.
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A última etapa do ensino básico tem sido o elo mais fraco das escolas brasileiras. Nesse caso, as soluções também são mais complexas. A começar pela formação do professor, que precisa ser mais especializado que o antigo professor primário. Nos Estados Unidos, a solução tem sido abrir o magistério para outros profissionais, como advogados e até militares aposentados, para não desperdiçar mão-de-obra capacitada. O Plano de Desenvolvimento da Educação, anunciado no ano passado pelo MEC, contém medidas específicas para tentar contornar o problema (leia a entrevista abaixo com o ministro Fernando Haddad). Uma delas é a construção de escolas federais técnicas. Mas antes disso essas escolas precisam mudar seu foco. Hoje, elas geralmente servem para alunos de elite se prepararem para a faculdade. Os técnicos ficam longe. "O Brasil não sabe o que quer de seu ensino médio, que não forma nem profissionais para o mercado nem acadêmicos", diz o sociólogo Carlos Henrique Araújo, ex-diretor do Inep.
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É justamente esse o diferencial do Centro Paula Souza, gestor de 140 escolas técnicas estaduais em São Paulo. O ensino profissionalizante é oferecido separadamente do ensino médio regular. Ali, alunos podem completar, em um ano e meio, estudos para 80 carreiras técnicas. Cerca de 70% das vagas são para o estudo técnico e atendem, em grande parte, alunos vindos da rede pública. "Nosso aluno quer se preparar para o mercado de trabalho", diz Laura Laganá, diretora-superintendente do Centro Paula Souza. Talvez por isso os alunos do Centro tenham sucesso no mercado de trabalho: 74% dos técnicos já saem com emprego.
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Para o ministro da Educação, o país pelo menos parou de piorar
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Quase todos os Estados atingiram as metas de 2009. Eram pouco ambiciosas?
Fernando Haddad - Não. As metas foram traçadas a partir de um parâmetro que mostrava indicadores de qualidade em queda. Pretendíamos não só estancar a deterioração, mas também reverter no primeiro ano essa queda. Temos uma trajetória mais ambiciosa até 2021.
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O Plano de Desenvolvimento da Educação, anunciado no ano passado, mostrava muitas medidas voltadas para o ensino médio, onde estão as piores notas de desempenho das escolas brasileiras. O que falta sair do papel?
Haddad -
Muita coisa foi feita. Há menos de três anos, os alunos nem sequer tinham livro didático. Hoje, todos recebem gratuitamente do MEC. É preciso ainda fazer uma reforma do ensino médio, o que está sendo estudado com o ministro Mangabeira Unger. Além do mais, estamos promovendo a expansão da rede federal de escolas técnicas. Já entregamos 50 novas escolas técnicas e temos outras 164 para entregar.

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