sábado, 23 de agosto de 2008

Por que a educação não dá voto?



Reportagem publicada na Revista Época, ed. 536 (agosto/2008)
Por Isabel Clemente e Mariana Sanches
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Uma das verdades mais incômoda da política brasileira envolve um assunto que está na cabeça de pais, professores e estudiosos de todo o país - a pouca importância que o eleitor atribui às propostas para a educação na hora de escolher seu candidato. "Educação não dá voto. Dá reconhecimento", diz o deputado federal Alceni Guerra (DEM-PR). Ex-ministro da Saúde, prefeito de Pato Branco, cidade com 70 mil habitantes no Paraná, entre 1997 e 2000, Alceni sabe o que está dizendo. No dia da posse, implantou o ensino integral na rede pública da cidade. Criou benefícios diretos para 10 mil alunos da rede pública, que passou a oferecer aulas de Bale e Inglês para crianças a partir dos 6 anos de idade. Mesmo assim, quatro anos depois, ao enfrentar o teste das urnas, perdeu para seu maior adversário. "Sempre que aparecia um problema na cidade, fosse um buraco de rua ou um problema no posto de saúde, diziam que a culpa era do prefeito, que só pensava em educação", diz Alceni.
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O comportamento do eleitorado de Pato Branco está longe de ser raridade. As pesquisas mostram que a maioria dos brasileiros adora lembrar a importância da educação para o futuro dos filhos e o progresso do país. Mas, na hora de votar, existem outras prioridades. A última enquete do Ibope encomendada pelo Todos pela Educação - um movimento social apartidário e privado criado em 2006 - revelava a educação em sexto lugar na longa fila das prioridades. Isso ainda era um avanço - no ano anterior, a educação estava em sétimo, atrás de emprego, saúde, segurança, combate às drogas, corrupção e fome.
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Eleito governador do Distrito Federal em 1994, o senador Cristovam Buarque fez carreira como criador do Bolsa-Escola, o avô do Bolsa-Família, programa pioneiro em remunerar famílias carentes pela presença da criançada na sala de aula. Nem assim conseguiu se reeleger. Quatro anos depois, foi derrotado por Joaquim Roriz, um pródigo distribuidor de lotes de terras, cujos erros de concordância em pronunciamentos oficiais fazem o folclore da política local. Candidato presidencial em 2006, Cristovam não passou da condição de concorrente nanico. "Construir universidades dá voto, até o analfabeto apóia por causa do status que a cidade ganha. Educação não. Geralmente, uma escola boa não faz parte do universo de desejo do mais humilde, como um carro, uma casa ou o tênis. É algo muito distante", diz Cristovam.
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Dá para mudar essa realidade? Há sinais de que isso pode ser possível. Na semana passada, o movimento Todos pela Educação divulgou uma campanha para orientar o eleitor, com o intuito de tornar a educação uma prioridade na hora do voto. Em alguns municípios, políticos que investiram em educação se deram bem nas urnas. Nos últimos 12 anos, em Campo Limpo Paulista, a 40 quilômetros de São Paulo, a educação tem sido a principal aposta da Prefeitura. Quando se elegeu pela primeira vez prefeito da cidade, em 1996, o médico cirurgião Luiz António Braz teve só 255 votos a mais que o segundo colocado. A máquina inteira de educação municipal se resumia a duas creches e duas salas de alfabetização de adultos. "Eu queria transformar a cidade em um pólo de tecnologia. Para isso, precisávamos melhorar a qualidade da mão-de-obra que formávamos aqui." Em oito anos, subiu para 25o número de escolas, entre novas e municipalizadas. No segundo mandato, Braz empregou 63% do orçamento da cidade em educação. Capacitou professores e criou salas de computação em todas as escolas. Ele se reelegeu em 2000 com 47% mais votos que o segundo colocado. Quatro anos depois, fez como sucessor Armando Hashimoto, com larga margem. Seu material de campanha se concentrava nos avanços na área da educação.
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Mas nem Braz nem Hashimoto creditam a vitória exclusivamente ao trabalho feito na educação. Braz diz ter asfaltado quase metade das vias da cidade e acredita ter ficado mais conhecido por essa realização. A intuição do prefeito é confirmada por estudiosos dos humores eleitorais. Estudos revelam que a saúde sempre está em primeiro lugar - num país onde a fila para muitos exames leva meses. "Enquanto o básico - viver ou morrer - não for uma questão resolvida, o eleitor terá dificuldade de valorizar investimentos em educação no Brasil", diz o sociólogo Alberto Carlos Almeida, autor do livro A Cabeça do Brasileiro.
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Uma pesquisa inédita, de dois economistas brasileiros da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, ajuda a entender melhor a visão do eleitorado sobre a educação. Depois de investigar minuciosamente gastos, características socioeconômicas e resultados das eleições de 2000 e 2004 em 5.250 municípios brasileiros, os pesquisadores Leonardo Bursztyn e Igor Barenboim descobriram que, nas cidades pobres onde se gastou mais com educação, os prefeitos tiveram menos chances de se reeleger ou de fazer sucessor. Dois resultados chamam a atenção: 74% dos municípios pobres onde os prefeitos aumentaram mais o investimento em educação que os gastos com assistência social não se reelegeram nem emplacaram seus partidos ou coligados. Em compensação, nas cidades pobres onde os gastos com transferência de renda subiram mais, 65% dos prefeitos se reelegeram ou fizeram sucessor. Conclusão: dinheiro no bolso parece contar mais do que filho na escola.
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A proposta inicial do trabalho de Bursztyn e Barenboim, intitulado "Educação ganha eleições?", era responder a uma pergunta intrigante: por que um país como o Brasil, onde 100% das pessoas reconhecem as deficiências da educação e sua importância para o futuro do país, enfrenta tanta dificuldade para resolver o problema? Os dois estudiosos lembram que a lista de causas é grande e complexa, mas que, na hora do voto, a decisão é definida pelo horizonte econômico do eleitor. Nas cidades pequenas, que formam a maioria dos municípios brasileiros, leva-se uma vida de dinheiro curto e orçamento controlado, em que o salário mínimo chega a ser quase um privilégio, e metade do eleitorado sobrevive com renda média de R$ 100 por mês ou até menos. "Nessa situação, se puder escolher entre ganhos futuros e respostas para os problemas imediatos, o eleitor sempre ficará com a segunda opção", diz Bursztyn.
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Outro dado contribui para a permanência dessa situação. A experiência ensina que as famílias de gente com baixa escolaridade - e que teriam mais necessidade de boas escolas - são aquelas que menos valor atribuem à educação. A história do sociólogo Florestan Fernandes, um dos mais festejados intelectuais da esquerda brasileira, é um bom exemplo disso. Ele foi criado por uma mãe que não sabia ler nem escrever. Ela queria que seu filho interrompesse os estudos - em que seria consagrado - e fazia o possível para que ele parasse de perder tempo e começasse a trabalhar para pagar as contas no fim do mês. "Os mais pobres tendem a ter menos anos de estudo e a valorizar menos ainda o que eles mesmos não tiveram", diz Barenboim.
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Embora os argumentos a favor da boa educação tenham a idade dos regimes republicanos, não param de surgir novas descobertas para confirmar sua validade. Sabe-se hoje que as boas escolas criam cidadãos autônomos, mais produtivos e menos dependentes e recorda que ali funciona a regra do quanto mais cedo, melhor. "Não existe investimento com retorno social maior do que investir na primeira infância. Ele só não é alto do ponto de vista eleitoral porque, para começar, criança não vota", diz o economista Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas do Rio. As propostas do movimento Todos pela Educação podem ser um bom começo para levar a educação ao topo da lista de prioridades.

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